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De carona com o Tinder

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Naquele dia eu acordei tranquilamente, fui até o banheiro e tropecei numa banqueta que estava entre o armário e a porta. Xinguei. Então, percebi que meu dente havia quebrado, o que me fez xingar mais um pouco. Quando a Julia apareceu no quarto para saber o que estava acontecendo, eu contei o ocorrido da maneira mais dramática possível.

Rapidamente, com a sua habitual calma e eficiência, ela mandou um whattsapp para a secretária do dentista, porque agora até consulta ao dentista se agenda por whatsapp, e, quase por milagre, conseguiu um encaixe para dali meia hora.

Coloquei logo a primeira roupa que encontrei no armário, escovei os dentes, inclusive o quebrado, com esmero, depois, peguei a carteira e o celular e fui para a garagem.  Tentei dar partida no carro, mas o infeliz não queria ligar. Desisti de tentar ressuscitá-lo quando vi que perderia o encaixe no dentista. Como meu filho tinha instalado um aplicativo do Uber no meu celular para o caso de necessidade, e aquele era um caso de necessidade, eu decidi usá-lo pela primeira vez. Cliquei no ícone e, meio desajeitado, segui todos os passos até aparecer na tela a mensagem de que um carro estaria em minha casa em dez minutos. Foi então que eu senti uma fisgada na barriga. “Mais essa agora”, pensei, enquanto corria para o banheiro, torcendo para que resolvesse aquele probleminha em no máximo oito minutos. Meu filho usava o banheiro próximo da entrada, o que exigiu que eu acelerasse ainda mais o passo para alcançar o banheiro da minha suíte.

Problema resolvido, voltei para a sala, passei a mão no celular e fui correndo para a porta. Cheguei justamente no horário combinado, mas não havia nenhum carro me esperando. Encarei o celular para ver se ele estava a caminho e me deparei com uma mensagem Você tem um Match. Não entendi e fiquei encarando o aparelho, confuso. Então, veio uma nova mensagem na tela, e eu tive a certeza de que era o meu uber tentando se comunicar comigo:

Onde vc tá?

Na frente de casa, oras. Você está vindo? — digitei.

 

Hum, posso estar indo

Olhei pra tela, irritado com a resposta descabida.

Então venha!!! — escrevi, abusando das exclamações.

Nossa!!! Da o endereco

Digitei com raiva, xingando a porcaria do Uber que eu achava que fosse programado para fazer aquilo por nós.

Alguns minutos depois, um carro parou bem na minha frente. Abaixei na altura do vidro aberto e espiei lá pra dentro. Um rapaz magro, alto, me encarou, dando um sorrisinho. Eu sorri de volta, constrangido.

— É você? — perguntou, parecendo um pouco decepcionado.

— Sou eu — respondi, sem muita firmeza, enquanto abria a porta traseira.

— Senta aqui na frente, que a gente já vai se conhecendo — gritou, colocando a cabeça pra fora do carro.

“Se conhecendo?”, pensei. Achei estranho, mas me lembrei que a Julia já tinha comentado comigo sobre o quanto o pessoal do uber gosta de conversar, de falar da vida e de fazer amizade. Não quis parecer grosseiro, então fui até o banco do passageiro e entrei.

Assim que o carro chegou na primeira esquina, o motorista colocou a mão no meu joelho. Eu dei um pulo e tirei a mão assanhada dali.

— Hum, no perfil você não parecia tímido.

“Perfil?”, pensei comigo enquanto olhava fixo para frente, tenso, imaginando que se ficasse calado ele pararia de falar comigo. Mas não adiantou.

— Parecia mais novo também. Na foto. Danadinho — gargalhou, dando tapinhas na minha coxa. — Mas então, quer ir onde?

Eu já estava preparado para gritar que queria ir ao dentista, quando o meu celular tocou. Olhei para o visor e estava escrito PAI. Achei estranho, atendi.

— Alô.

— Pô, pai, caralho, o que o senhor tá fazendo com o meu celular?

Fiquei em silêncio, encarando a mão assanhada do uber alisando minha perna.

— O seu tá aqui comigo. E tem uma mensagem aqui de que o seu uber cancelou a corrida. Conseguiu outro?

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