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A Vergonha

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O coração acelerado e o tremor nas mãos, além do frio na barriga, eram sinais claros de que seu corpo e sua mente estavam entregues à ansiedade. Paulo respirou fundo e tentou pensar em algo que o ajudasse a controlar o nervosismo. “Você não está nervoso”, pensou. Mas ele estava ciente demais de sua condição para ser enganado por si mesmo. Tentando crer que talvez conseguisse enganar ao menos os outros, entrou na sala de reuniões com a cara e pouca coragem.

Assim que entrou, a porta bateu atrás dele, fazendo um barulho que lhe pareceu bem mais estridente do que de costume. O pouco burburinho que havia no recinto foi cortado imediatamente, fazendo o estampido ecoar por mais alguns segundos.

Paulo caminhou silenciosamente até uma pequena mesa no canto da sala e lá colocou sua pasta. Todos se mantiveram calados, o que o fez imaginar que estavam apenas aguardando o início de sua apresentação, o nobre motivo daquele encontro matutino. Tentando dissimular o tremor nas mãos, que só aumentava com o silêncio constrangedor, ele tirou os papéis da maleta de couro e direcionou, timidamente, os olhos ao público, que o observava com certo espanto. Foi então, que os cochichos começaram. Quase de forma orquestrada, bocas e ouvidos se encontravam em sussurros e meias risadas. Paulo franziu a testa e inclinou a cabeça um pouco para frente, direcionando os tímpanos ao burburinho.

Não conseguiu ouvir nada mas conseguiu percebeu que todos olhavam insistentemente para seus pés. “o que eles estão olhando?”, pensou enquanto movimentava os dedos. Sentindo que eles estavam soltos demais dentro de seu habitual sapato social, Paulo apertou os olhos e baixou a cabeça para confirmar com a visão o que o seu tato e o seu bom censo já haviam atestado. Foi então que ele os viu. Os dois pés nús, chapados no piso emborrachado. Lado a lado, os 10 dedos, peludos, lhe pareceram uma dezena de traidores rebelados.

O suor que estava apenas na nuca se espalhou por seu corpo todo e o tremor de suas mãos se tornou incontrolável. Naquele instante, as risadinha tímidas deram lugar às gargalhadas escancaradas.

Então, Paulo acordou. Fora o suor que ensopava seu corpo, todo o restante havia sido apenas um pesadelo. Depois que se recuperou do susto, ele se sentiu aliviado. “Era só um pesadelo. Deve ser a ansiedade. Deve ser a ansiedade. Mas eu não estou ansioso”, pensou, tentando se enganar mais uma vez.

Enquanto tomava banho, Paulo se lembrava de seu sonho absurdo e tentava culpar a sua imaginação noturna pelo agravamento de sua ansiedade. “Só não posso me esquecer de calçar o sapato”, pensava insistentemente enquanto se ensaboava.

Alguns minutos depois, Paulo calçou as meias e os sapatos, amarrando os cadarços com força e finalizando o laço com dois nós, como se quisesse impedir que eles escapassem de seus pés antes que chegasse ao trabalho. Pegou a maleta de couro com os papéis da apresentação e se sentiu aliviado. Ele tinha tudo o que precisava. Só precisava ficar mais calmo. “Mas eu não estou nervoso”, pensou.

Apressado e já sentindo o tremor tomar conta de suas mãos, ele bateu a porta atrás de si, deixando sobre a cama a cueca e terno completo que ele havia escolhido pra usar naquele dia tão importante.

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