A Separação
Primeiro você mudou de linha. Imaginando que eu não perceberia, pulou para o outro parágrafo e foi se distanciando, até ultrapassar as margens e chegar à outra página. Foi então que eu te perdi de vista.
Ouvi dizer que, durante dias a fio, você percorreu páginas e invadiu capítulos, ansioso, confuso, aparentemente sem um propósito definido. Então, decidiu que precisava encontrar a fita de cetim vermelha, que, para o seu azar, sempre avançava um pouquinho mais a cada dia, dificultando o sucesso da sua jornada. Mas você finalmente a encontrou e a escalou, alcançando a borda da capa dura. Finalmente, conquistou sua liberdade, escorregando pela lombada. Veja só que corajoso.
E eu fiquei aqui, deprimida, no meu lugar, que é ao lado do seu lugar. Um espaço agora vazio. Um vazio que deixou nossa linha sem sentido, nosso livro incompleto, nosso romance defeituoso. Mesmo que entre nós houvesse um hífen, sentia que éramos ainda mais unidos do que os outros. Para mim, era como se fôssemos uma coisa só. E agora me sinto muito emotiva, acho que foi a separação.
Por alguns dias, caminhei pela nossa página, eu e o hífen, o nosso hífen, tentando ler nas linhas e nas entrelinhas o que poderia ter te motivado a tal aventura, a tal desprendimento, a tal desrespeito. Ouvi boatos de que você julgava que seriamos melhores separados. Não quis acreditar nessa justificativa absurda.
Até que eu tomei coragem também, a mesma coragem, ainda que por motivo diverso. Deixei o hífen guardando nosso lugar e desbravei o livro eu mesma, todinho. Não para fugir, como você fez, mas para tentar te encontrar. Talvez você estivesse fazendo o caminho de volta, arrependido. Cheguei a nos imaginar em um abraço apertado no meio das páginas centrais.
Andei de folha em folha, observando atentamente cada linha, inclusive os títulos e as notas de rodapé. O aceitaria até mesmo reformatado. Encontrei outros iguais a mim, outros iguais a você, mas nenhum deles estava desacompanhado.
Enfim, eu cheguei à parte dura. Segurando com firmeza, eu me pendurei na bordinha e espiei a contracapa. Nada. Com toda a coragem que nem eu sabia que possuía, dei a volta por fora, passando pela lombada, onde o imaginei escorregando para conquistar o mundo. Procurei por suas marcas, mas nem isso eu encontrei. A esperança de te ver nomeando nosso livro, maior e mais brilhante, fez com que eu me arriscasse mais um pouco e chegasse até a capa. Mas não te encontrei lá também.
Fiz o caminho de volta sentindo muita tristeza e muitas saudades. E agora, feito uma tonta, eu passo essa história na minha cabeça como se fosse uma carta minha para você. Você me imagina escrevendo cartas? Confesso que a ideia até passou pela minha cabeça. Pensei em reunir algumas palavras, desocupar uma folha inteira e colocar tudo isso no papel. Mas como eu faria para que ela chegasse até você? Você já deve estar em outro livro, em outra estante, numa livraria qualquer, quem sabe em um sebo. Aquele mesmo sebo onde planejamos terminar a nossa vida juntos, lembra?
Pois é, Perfeito. Essa seria a minha carta para você.
Assinado: Amor